"Todos os governos têm de ser sufragados. Marcelo já o podia ter dito"

Entrevista a Nuno Morais Sarmento, ex-ministro e ex-vice-presidente do PSD
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O antigo governante afirma que o Presidente da República terá enormes resistências pessoais a dar posse a António Costa. Até porque sabe que "o país paga um preço à cabeça". Reconhece, contudo, que não há margem de manobra para Cavaco Silva ter outra solução de governo.

Pelo que li das suas intervenções, acreditou até ao limite que ia haver entendimento entre a coligação PSD/CDS e o PS...

Porque acreditei até muito tarde na dificuldade do acordo à esquerda. Havia quatro resultados possíveis para Passos Coelho, a maioria absoluta de um lado ou de outro, maioria relativa de um lado ou de outro. Passos ganhava num, a maioria absoluta, e perdia em três, os restantes cenário, nos quais quem governaria seria António Costa.

Passos Coelho e Paulo Portas fizeram tudo o que era possível para o acordo com o PS?

Depois das eleições já não havia hipótese. Durante a campanha o PS assumiu claramente uma posição alternativa, que matava a hipótese de ser suporte de um governo PSD/CDS. António Costa nunca considerou essa possibilidade. Agora, na sua cabeça a coligação era num cenário da vitória eleitoral. Se assim fosse, o que estamos a assistir é um ato de coragem política. Perdendo, como perdeu, é muito um ato de desespero político. Já todos percebemos que o PCP gostaria de ter ficado mais de fora e o BE mais dentro. A necessidade de envolvimento dos dois partidos torna um exercício, que já é difícil, praticamente impossível. Nem é uma triangulação, é uma comunicação bidirecional. Quando não há responsabilidade no governo de nenhum dos dois partidos sobre o sucesso a três, só por acaso é que isto bate certo.

Este acordo à esquerda é uma revolução no sistema político?

Para a evolução e regeneração do sistema político até posso dizer que era desejável. Permite corrigir alguns desequilíbrios. Agora, há um preço que pagamos à cabeça. Estamos, pela coerência de uma trajetória, a meses de fechar, pela primeira vez, um exercício orçamental com um défice abaixo dos 3%. Possibilitaria alterarmos significativamente a nossa autonomia orçamental. Neste momento, já estamos a pagar juros mais altos e isso vai agravar-se. Por parte dos investidores há uma interrupção de confiança.

E não acredita que com o programa do PS isso vá acontecer?

António Costa tem duas alternativas. Uma é fazer todos os esforços para fechar abaixo dos 3%, ganhando a autonomia em matéria orçamental. Mas o PS vai dizer que a situação estava muito pior do que se dizia e não vai fazê-lo. Irá por isso, escolher a segunda hipótese, a clássica em Portugal, que é, para não dar a última "medalha" a Passos Coelho e a Maria Luís Albuquerque, vai carregar o orçamento de 2015 e não vai cumprir o a meta do défice. Com isso o país continua em procedimento de défice excessivo, mas Costa ganha uma folga para a execução de 2016.

Refere-se a António Costa como se já fosse primeiro-ministro. O Presidente da República (PR) não tem outra alternativa?

Cavaco Silva terá seguramente enormes problemas e resistências pessoais em dar posse a António Costa. Durante mais de dois anos avisou o país que isto podia acontecer, que poderia não haver maiorias, procurou os consensos sem sucesso. O Presidente não tem a menor confiança na viabilidade e na consistência desse governo. Ele sabe que com esse governo o país paga um preço à cabeça.

Como vai justificar a posse?

Como é que ele pode deixar de o fazer? Tem que aceitar as regras. Nos mesmos discursos que fez disse também que nunca se iria substituir ao Parlamento. Vai dizer que tem as maiores dúvidas, mas que sendo o Parlamento claro na afirmação dessa vontade, ele não o vai contrariar.

A coligação gostava de ouvir Marcelo defender eleições antecipadas, sob a justificação de legitimar esse governo PS?

Os candidatos presidenciais devem falar claro sobre o que pensam, sem receio de hipotecar franjas do eleitorado. Não podem ser anémicos perante a situação política. Devia haver uma afirmação pela positiva. Primeiro dizer que é muito positiva a entrada no jogo completo da democracia - que significa aceitar responsabilidades governativas e a consequência das opções - de partidos que até aqui se posicionaram com partidos de protesto. Segundo, é uma regra do sistema de que todos os governos têm que ser sufragados pela vontade popular. A partir do momento em que as coisas são colocadas nestes termos, esse sufrágio deixa de ser uma vingança, um segunda volta, o revanchismo de quem perdeu. Tenho dúvidas que um candidato que diga isto esteja a alienar eleitorado.

Marcelo devia afirmá-lo?

Marcelo já perdeu um pouco a oportunidade de o fazer desta forma positiva. Todos os governos têm de ser sufragados. Marcelo já o podia ter dito. Se ele o disser na sequência de pressão, vai fazê-lo para responder ao lado político e não como a afirmação de um princípio.

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